quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Café amargo.



 

    Nem sempre os olhos refletem a alma, com o tempo aprendemos a controlar os sentimentos, não deixar transparecer o que vem na mente no momento, assim como o corpo nem sempre demonstra as dores que se sente.

    Venha, sente, vamos bater um papo de alma, não se preocupe minha consciência é um baú de chaves secretas, enferrujadas por causa das intempéries da vida, tomemos um café, o meu é forte e amargo, - minha tia costuma dizer que de amargo já basta a vida - não se sinta constrangido de não gostar do sabor amargo, assim como o café temos nossas amarguras e frustações.

    Não se envergonhe de largar o fardo que te corcova, que te faz lagrimejar, eu também choro de vez enquanto, quando as barreiras criadas não suportam o desague, não gostou do café mesmo adoçado? Te faço um chá, sou boa anfitriã gosto de fazer a pessoa se sentir à vontade, como se estivesse no seu habitar.

    Sim, a vida está bem mais difícil. Porém, isso não lhe dá o direito de ser tão amargo, deixe isso para meu café, o sol lá fora parece não amenizar a frieza dentro de você, eu sei, não precisa me dizer, um espirito de luz falou que tudo passa, isso também vai passar.

    Quer almoçar comigo? Vou fazer uma torta, minha especialidade, todos gostam, ou fingem gostar, eles são como os pensamentos, uns agradáveis outros não, posso servir um suco de maracujá, acalma os nervos, dizem que nos faz dormir.

    Ontem, estives-te presente em meus pensamentos: lembrei-me de dias inocentes de nossa infância lá no bairro Alto da Conceição, em Mossoró, de quando corríamos descalços, eu só de calcinha e você meu irmão Eguismar, com suas traquinagens, às vezes tirava o calção e saía nu com ele na cabeça, lembra? A calçada era nosso parque, as brincadeiras nos deixavam cansados sem pensar na vida que iriamos ter, só vivíamos e assim adormecíamos felizes.

    Precisamos nos ver com frequência. Um pouco mais de café?


21/11/2022

Socorro Oliveira

 

domingo, 19 de fevereiro de 2023

✍️Envelhecer

 




Envelhecer, ah! Um tema as vezes contraditório, tem as suas vantagens maiores que as desvantagens. Eu respirava tudo que inspirava das mais recatadas à outras nem tanto. Era estabanada, falava o que vinha as ventas, sem pensar, criticava a troco de nada, e nem sempre a crítica era construtiva, uma das características que enterneci, hoje paro, penso se vale apena à crítica, botar pra fora palavras sem refletir primeiro.
O envelhecer traz um pacote de mazelas é certo, sim físicas. “Não se pode ter tudo no mesmo pacote”, mais a questão espiritual melhorei muito. De tudo quanto a velhice me trouxe o que mais me incomoda, além das dores, é o craquelar da pele e muitas vezes a falta de mobilidade, nunca fui de me embelezar, claro que toda vaidade é da natureza feminina, porém sempre achei melhor malhar o cérebro do que o corpo, o branquear dos cabelos é outro enchimento de paciência, se fosse um método de salão, ficar branco de uma vez só, eu até enfrentaria, mais não, todo dia, um fio por vez. Detesto salão, nunca gostei do puxa-puxa, do tira e bota, e principalmente, das banalidades das dondocas que se acham a última bolacha do pacote, desnecessárias e vazias.
Uma coisa a maturidade não me tirou; me encheu a paciência, não me agradou mando se lascar em alto e bom som, em letras grandes e garrafais.
As vantagens disso tudo é uma maturidade, um enxergar além das entrelinhas, é o observar a vida no dia a dia, e errar menos, apesar do erro continuar, pecar muito mais por emoção do que por ação, ficamos propício a sentir as dores do próximo e as novas nossas, é claro. Observo, que não podemos parar de se movimentar, pra se ter mais mobilidade, adiar o entrevamento ao máximo, pois a máquina fica enferrujada, embora no final do dia chegue à “conta” dessa agilidade.
Bom dia vou ali cuidar para não enferrujar.
Por mim. Socorro Maria de Oliveira

Sua bênção, minha velha!

 


Esta semana fui agraciada com as presenças de pessoas que já partiram. Fernando, pai de @segundo_tattoo meu filho, foi o primeiro. Adormecia e lá estava ele me falando em documentos, não se fazia entender ou a minha mediunidade não me deixou ver nas entrelinhas, acreditei que estava precisando conversar mais com Jesus, mas o cansaço me desfalecia, e outra vez ele voltava a mostrar os tais papéis. O dia amanheceu, eu tentando entender.
Quinta-feira recebi a visita de Lúcio, meu irmão. Também tinha algo a dizer, porém nunca chegava a finalizar, também não entendi a mensagem, minha mãe me veio à memória, com sua vida sofrida nos seus 70 e poucos anos sem nunca ter o sossego devido.
Depois que ela partiu, além das recordações, resta-me fragmentos dela em mim, do que viveu, do que cultivou e me passou. Algumas coisas parecem retrógadas, no entanto, no tempo dela não era, me esforço para não cometer os mesmos erros, vou aprendendo a lidar com a vida, busco deixar outros fragmentos em quem comigo convive.
Nos seus últimos momentos, antes de partir, foram tão significativos, tão sofridos e trouxeram confirmações e convicções que carrego comigo: como existências de vidas passadas. Nos últimos minutos de sua vida falava o nome de cada um que dizia estava chegando - seus amigos e parentes que estavam do outro lado - não tive o privilégio de vê-los, entretanto pressenti sentir o perfume de meu pai, sou grata a todos que estiveram naquele momento ajudando-a na passagem.
Aprendi que a fragilidade dos segundos não me refuta a dizer o quanto amo, o abraço que necessito, pois segundos depois posso não ter essa oportunidade, então, procrastinar para quê? Amanhã pode não existir.
Tenho tantas recordações dela, heranças genéticas ou não, que no meu envelhecer vou percebendo. Não faço listinhas de compras, não sou boa de matemática, fazendo a feira sei exatamente quanto vou pagar no caixa sem calculadora, são tantos predicados que não conseguiria pôr aqui.                                                    A verdade mamãe, é sua falta se faz em pequenas coisas e sua presença em mim se confirma na saudade latente que muitas vezes bate a porta, sinto no seu cheiro, seu sorriso, em suas mãos de unhas bem feitas, nesse momento me lembro delas frias, tão roxinhas entrelaçadas naquele último momento do qual coloquei meu terço para te acompanhar.

Os meus insistem em ser a maioria pretos ou castanhos, ainda são poucos os que persistem em ficarem prateados como os seus cabelos. Espero ter a graça de vê-los branquinhos, como desejei ver os de meu pai.
Sua bênção, minha velha. 
Socorro Oliveira