sábado, 16 de janeiro de 2021

Nove Luas e um dia


 


Há exatos 36 anos buscava fotografar um momento físico, um milagre concedido, queria deixar registrado “meu estado de poesia”, já que naquele tempo fotografia era um artigo raro, digamos de luxo. Naquele ônibus vestindo um macacão quadriculado verde e marrom me presenteado por Telma (in memória), sapatilha branca, camiseta bege, seguia no coletivo em direção ao centro da cidade de Mossoró. Porém Deus tinha outros planos e não seria registrado em fotos, mas sim em fatos.
Parecendo um relógio cronometrado ao passar ao lado da Maternidade Almeida Castro como se fosse um script fui obrigada a descer na parada seguinte e caminhar lentamente para o desconhecido mundo. Águas escorrendo por minhas pernas ensopando minha roupa e sapatilhas anunciavam uma vida a caminho, sem sentir dor alguma caminhei sozinha, eu e meus sonhos: da estação férrea até a entrada da maternidade, molhada, atordoada, só sem lenço sem documento, sem ninguém, tão solitariamente só naquela longa trilha traçada pela inocência da ignorância, que tão extenso seria deixado para trás, me obrigando a acordar para realidade. Eu comigo mesma, de passos lentos, escorregadios naquele calçado encharcados, o mais seguro era caminhar descalço, pois 80 quilos na lona seria difícil de levantar, sem apoio.
Naquele momento, deixou de existir o passado da bonequinha de vitrine, da modelo, desenhista e todos os “ista” da adolescência, tão cheia de planos e sonhos, nada nem ninguém importava pra mim, só o que eu carregava no ventre, que também não tinha importância para ninguém.
E tudo amadureceu como num piscar de olhos com uma dor, um grito e um choro, assim se cumpriu as nove luas e um dia. Rápido, trinta minutos no máximo tudo estava consumado, o presente ali nos braços me ensurdecendo como se sacode um farrapo embriagado pelo sonho, me acordando para realidade. Só eu e Deus naquele lugar de vida e de morte. Não imaginava dois dias depois estaria de volta ao mesmo lugar com Eclampsia. Vivo hoje, para contar graças a Deus e ao Dr. Valfredo Anunciato da Silveira que cuidou de mim.
36 anos depois, cada momento, cada dor, cada lágrima, cada segundo vivido ainda pulsa dentro e fora de mim, mostrando que ainda não sei nada da vida.
Hoje, com 60 anos só agradeço, ainda estou aqui.
Madrugada de 16/01/2021

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